Na última semana, um relatório divulgado pelo Tesouro Nacional gerou um debate inflamado em vários portais de notícias do país ao comparar os gastos do Judiciário Brasileiro com os de outros países, inclusive os investimentos no sistema de Justiça. No entanto, essa análise superficial e descontextualizada demanda uma avaliação mais profunda para uma compreensão precisa e justa da situação.
Um dos pontos cruciais que precisamos considerar é como números divulgados dessa forma, desprovidos de contexto adequado, apenas alimentam a insegurança jurídica e, muitas vezes, alimentam uma narrativa que tenta minar a confiança da população no Poder Judiciário. É fundamental que a divulgação de dados seja acompanhada de uma análise cuidadosa e contextualizada para evitar distorções e interpretações equivocadas.
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Frederico Mendes Júnior, bem trouxe dados que merecem destaque. Por exemplo, o fato de que o Brasil, com sua população de 214 milhões de habitantes, enfrenta desafios únicos, como uma das maiores taxas de homicídios do mundo. Este dado, apontado pelo Estudo Global sobre Homicídios de 2023 das Nações Unidas, não só destaca a complexidade das demandas enfrentadas pelo sistema de Justiça brasileiro, mas também ressalta a necessidade de investimentos proporcionais para enfrentar esses desafios.
Além disso, um editorial divulgado pelo Conjur sobre o tema, lembra os números apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os quais revelam que os tribunais brasileiros fecharam o ano de 2022 com 81,4 milhões de processos em tramitação, sendo que 31,5 milhões foram casos novos. Todos os países democráticos juntos, não possuem o número de processos que tramitam no judiciário brasileiro. Esses números, contrastados com os de países como Portugal, onde houve o ingresso de apenas 417,3 mil novos processos no mesmo período, destacam a disparidade na carga de trabalho enfrentada pelos sistemas judiciais. Não bastasse, a gratuidade do acesso à justiça, sem comparativo idêntico internacional, igualmente integra a conta suportada, eis que todo processo gera ônus ao sistema judicial.
Outro ponto relevante é a questão da resolução de homicídios, onde o Brasil enfrenta um desafio significativo em comparação com outros países. Enquanto na Europa a taxa de resolução de homicídios é de 92%, no Brasil esse índice é de apenas 37%, conforme dados do Instituto Sou da Paz. Essa discrepância não apenas sublinha as complexidades únicas enfrentadas pelo sistema judiciário brasileiro, mas também destaca a necessidade de recursos adequados para enfrentar tais desafios.
Lado outro, é importante ressaltar que o Brasil enfrenta desafios adicionais devido às suas dimensões continentais. E a maior parte dos países citados no levantamento do Tesouro Nacional possui dimensões comparáveis e muitos até menores do que alguns estados brasileiros. O país precisa garantir o acesso à Justiça em todos os cantos, incluindo áreas remotas e de difícil acesso. Esse compromisso com a universalidade do acesso à Justiça adiciona uma camada extra de complexidade a este tipo de comparação.
Por fim, é fundamental reconhecer que os recursos investidos no Judiciário brasileiro são vitais para o funcionamento da democracia e para garantir o acesso à Justiça a todos os cidadãos. Qualquer análise que não leve em consideração esses aspectos fundamentais corre o risco de distorcer a realidade e minar a confiança no sistema judicial, objetivo de muitos que querem desacreditar a justiça brasileira. Portanto, é essencial que os dados sejam apresentados de forma responsável e contextualizada para promover um debate informado e construtivo sobre o papel e os desafios enfrentados pelo Judiciário brasileiro.
Euma Tourinho, juíza e presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Rondônia (Ameron)