Prestação jurisdicional eficaz por meio da priorização do primeiro grau de jurisdição Euma Mendonça Tourinho 1. Introdução: O excesso de processos no primeiro grau de jurisdição e o volume de trabalho a que estão submetidos os juízes na primeira instância são um grande desafio para o Poder Judiciário. Nesse sentido, se mostra urgente a necessidade de equalização entre o volume de processos e o orçamento destinado para cada grau de jurisdição. O presente artigo tem por escopo o estudo da desigual estrutura vivenciada pelo Poder Judiciário entre os graus de jurisdição, apesar da diferença de volume de processos e do reduzido quadro de pessoal. Quanto ao aspecto metodológico, será realizada uma análise dos números levantados pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ – sobre as movimentações processuais realizadas no ano de 2021. Aqui é preciso esclarecer que há treze anos o CNJ vem disponibilizando um relatório chamado “Justiça em Números”, que faz referência ao ano anterior ao da disponibilização. O último ano em que foi disponibilizado o “Justiça em Números” foi 2022, relativo aos dados de 2021 e serão essas as informações aqui utilizadas. O objeto do trabalho em tela consiste, pois, em analisar como os dados levantados todos os anos pelo CNJ podem auxiliar na criação de metas que visem dar prioridade ao primeiro grau de jurisdição. Também para fins de delimitação do objeto do presente artigo, esse se restringir-se-á a analisar os dados do primeiro grau de jurisdição da justiça estadual, que é a que possui a maior demanda dentre todos os setores do Poder Judiciário. Por fim, analisar-se-á como o orçamento impacta diretamente na execução do trabalho de magistrados e servidores. 2. Conselho Nacional de Justiça e parâmetros da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição: O Conselho Nacional de Justiça – CNJ – busca cumprir parte da sua missão constitucional de coordenar o planejamento e a gestão administrativa dos órgãos do Poder Judiciário, o que abrange a implementação de políticas judiciárias com a finalidade precípua de conferir maior eficiência ao sistema de Justiça. O CNJ, por meio de resoluções, constrói parâmetros que visam auxiliar a magistratura a entregar uma prestação jurisdicional de forma célere. Há um óbice, no entanto: a grande diferença de volume entre o primeiro e o segundo graus de jurisdição, mas não só, há diferença de orçamento e pessoal. O momento em que se vive demonstra que o mero conhecimento jurídico não é suficiente para garantir, de forma célere e qualitativa, a prestação jurisdicional. Deve-se, por isso, conceder a infraestrutura necessária para que o primeiro grau de jurisdição possa trabalhar de acordo com a sua demanda. A Resolução do CNJ nº 194 instituiu, em 26 de maio de 2014, a Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição, tendo como objetivo precípuo implementar e estruturar medidas concretas e permanentes para melhorar os serviços judiciários prestados no âmbito da primeira instância dos tribunais brasileiros. Enfrentou-se a ausência de celeridade do Poder Judiciário, tendo como base a sobrecarga de trabalho na primeira instância, mostrando-se necessário incentivar o desenvolvimento de ferramentas para permitir melhor desempenho nas unidades judiciárias. Com o intuito de aperfeiçoar a política de priorização do primeiro grau de jurisdição, em 2016 o CNJ instituiu a Resolução nº 219 que dispôs sobre a distribuição dos servidores em cargos de comissão e funções de confiança nos órgãos do Poder Judiciário de primeiro e segundo grau de jurisdição. O CNJ disponibiliza, anualmente, o “Relatório Justiça em Números” que atesta, de forma reiterada, ano após ano, que o segmento mais sobrecarregado do Poder Judiciário é primeiro grau de jurisdição, o que faz com que esse mesmo segmento seja o que presta serviços judiciários abaixo da qualidade esperada. Verifica-se que as Resoluções 194 e 219 do CNJ possuem importante papel norteador na construção de metas e objetivos que devem ser traçados por todo o Poder Judiciário que visa entregar para a sociedade uma prestação jurisdicional adequada e célere. 3. Dados relativos ao ano de 2021 sobre a estrutura do primeiro grau de jurisdição. Sobrecarga da Justiça Estadual de primeiro grau. O primeiro grau do Poder Judiciário possui 14.799 unidades judiciárias. Com relação à Justiça Estadual são 8.346 varas e 1.206 juizados especiais. Ou seja, a Justiça Estadual do primeiro grau possui 64,5% das unidades judiciárias. Esse total de 9.552 varas e juizados especiais estão distribuídos em 2.654 comarcas. Verifica-se que 47,6% dos municípios brasileiros são sede da Justiça Estadual. Apenas a título de comparação, a Justiça do Trabalho possui sede em 11,2% dos municípios e a Justiça Federal em apenas 5% dos municípios. Não há como se negar a amplitude e abrangência da Justiça Estadual de primeiro grau. Quanto ao impacto populacional, 89,7% da população brasileira reside em município sede da Justiça Estadual. Ou seja, apesar de haver comarcas apenas em 47,6% dos municípios, elas estão localizadas em cidades com elevada abrangência populacional. Conformes gráficos disponibilizados no Relatório Justiça em Números de 2022 verifica-se que nos Estados do Distrito Federal, Rio de Janeiro, Ceará, Sergipe e Amapá, quase todos os habitantes residem em Municípios providos por varas. Por outro lado, nos Estados de Tocantins, Amazonas e Rondônia menos de 72% da população residente em sede de comarca. Há, nesse ponto, uma grande população atingida, porém, mais uma vez, a região Norte é relegada a segundo plano, recebendo menos recursos para atingir a população espalhada por grandes territórios. Quanto ao orçamento, no ano de 2021 as despesas totais do Poder Judiciário somaram R$ 103,9 bilhões, o que representou redução de 5,6% em relação ao ano de 2020. A despesa da Justiça Estadual, que corresponde a 79% dos processos em tramitação, abrange aproximadamente 59% da despesa total do Judiciário. Esses dados são vitais para direcionar todo o planejamento do Poder Judiciário, uma vez que o segmento que possui a maior demanda necessariamente precisa de um maior orçamento. Outro dado interessante é que as despesas totais do Poder Judiciário correspondem a 1,2% do PIB nacional, relativos a 9,64% dos gastos totais da União, dos Estados,